A universidade é o espaço da geração do conhecimento. Por conhecimento sintetize, caro leitor, tudo aquilo que pode contribuir de alguma forma para o crescimento do HOMEM enquanto tal. Um ser humano melhor, vamos crer, mais propenso a contribuir com consciência para a plenitude de vida, sua e de seus pares. Mas, como tudo na vida, a universidade é também o refúgio do contraditório e, muitas vezes (eleve a décima potência esse “vezes”), essa premissa não e de vazios ideais, concentrados em belas e utópicas palavras.
Deixemos de lado essa tendência espúria e acreditemos na universidade como espaço da experimentação científica e das formas de convívio. Da aceitação do diferente, da convivência dos contrários, da tolerância para com a diversidade, do ensaio para a paz universal, da expansão das mentes, do desbunde criativo, da militância por causas nunca perdidas em todas as áreas do conhecimento, do avanço tecnológico e das vanguardas sociais e artísticas, enfim… Já que quando pensamos na academia emulamos o universo, façamo-lo dinâmico o suficiente para nos impregnar da certeza de mudanças constantes e promissoras. Espaço, por excelência, do debate, das proposituras e do artesanato cotidiano da convivência.
Mas, como sugeri lá no alto, a universidade também é a porção de desconstrução de si mesma enquanto ideal. Da continuidade, da reiteração de arcaísmos, da assimilação de modernosidades sem cor nem tom, de desaceleração e de atrasos. A universidade, em verdade, não é para isso. Ela existe para provocar mudanças nas pessoas e nos conceitos. Caso se negue a mudança, o indivíduo, aquele potencial “intelectual” mediano da família, deveria antes fazer um estágio na universidade da feira-livre aos domingos ou nos “livres acampamentos da miséria”. Tiraria muito mais proveito.
Vamos, caros amigos, examinar um caso que o cronista, em 43 primaveras, nunca esperou tomar conhecimento, sobretudo nas hostes universitárias. Jamais, em meus fantasmosos pessimismos sobre o homem do meu tempo, esperei ver, em meu país – uma república até certo ponto permissiva e não ortodoxa em nada, ao que me consta -, um ataque de misoginia coletiva. Para quem não sabe o que significa misoginia, devo dizer que é tão somente repulsa, aversão total e, creio, irreversível às mulheres. Já havia presenciado linchamento público, vaias intermináveis (algumas vezes merecidas) a políticos e artistas, curras, homofilias e homofobias histéricas, mas misoginia, não.
O que aconteceu dia desses com uma aluna da Uniban, em São Bernardo do Campo, é algo novo para mim, um capítulo inédito para o meu bestiário das histerias contemporâneas. Cerca de 700 pessoas – a maioria machos, saliente-se – perseguindo uma aluna que ousou (?) usar uma prosaica sainha que (desculpem-me o calhordismo machista!), pelo que pude apreciar, não chegava a ser curtíssima como nossos desejos a queriam. Um bulling coletivo em plenos corredores do templo do conhecimento. E isso quando estamos há trocentos anos da invenção da minissaia, o som que se ouve por aí não é o da jovem guarda, a igreja apostólica romana já não influencia tanto as famílias, a camisinha faz parte do kit sobrevivência e aquele “tubinho” usado pela moça é mais batido que Redbull com extasy.
Confesso que não entendi os rapazes que compunham aquela bando insano. Misóginos, tão somente? Uma jovem versão da marcha por deus, pátria, família, tradição e bons costumes? Uma horda neo-nazista? Cultores da moda comportada? O que era aquilo? Pelamordedeus, respondam-me! Sei que determinados ambientes – entre eles as vetustas salas de aula – não combinam com determinados trajes. Mas, penso, que cabe a outras instâncias – a direção da faculdade, por exemplo – de forma sutil, não truculenta ou constrangedora, coibir ou alertar para os excessos de vestimentas. Nunca a uma curriola portando os brinquedinhos eletrônicos do sadismo pós-moderno. Coisas da nossa pós-modernidade? Agrida, filme e depois exponha na internet para deleite de voyeurs e onanistas de plantão.
Vejo, porém, uma questão mais grave. Do jeito que os “universotários” fizeram com a rechonchuda patricinha, fariam com o esquelético ou a esquelética a-fome que, matando-se para pagar a faculdade, tivesse que freqüentar a sala de aula com roupas puídas pelo uso, sapatos rotos, pregatas ou sandálias havaianas. O saber limpo, puro, progressista não se nutre ou lambuza-se dessas questões. A instituição universidade não existe para isso. Ela não tem que ser o reflexo acrítico desse mundo surdo e burro, porém, infelizmente, com olhos de preconceito por toda a cara.
Utilizei, desde o principio desse texto, o termo misoginia para denominar os rapazes envolvidos naquele episódio. Uma questão de educação, respeito ao leitor e um pouco de lesa prepotência intelectual. Minha vontade realmente era de tachá-los por portadores fiéis de “boiolagem congênita” ou “baitolagem adquirida”, eufemismos graciosos para “homossexualidade reprimida”. Saiam dos armários, xibungos! Como sabemos que toda repressão é liberada na coletividade (veja-se as marchas de protesto nas ditaduras ou as graciosas e democráticas paradas do orgulho gay), aqueles rapazes parecem compartilhar frustrações e, provavelmente, trocam algo entre si. Sinceramente, acho que não só idéias tortas. Deus salve, se ainda der tempo, a universidade em que acreditamos. Aquela a que todos e todas possam ter o, trajar o que lhes caia bem e ser o que bem quiserem, sem restrições ou repressões.
Jornalista e professor: Edson de França